Seriado é uma crítica aberta à
sociedade atual
Dirty John, série original da Netflix criada
por Alexandra Cunningham, pode nos levar a uma discussão filosófica que nunca
irá se esgotar, sendo uma crítica incontestável à sociedade atual.
Tudo começa quando Debra (Connie
Britton), uma bonita e talentosa design de interiores de meia idade e mãe de
três filhos, Trey (Jake Abel), Veronica (Juno Temple) e Terra (Julia Garner), cria
um perfil em um aplicativo de relacionamento e, após uma série de encontros decepcionantes,
acaba conhecendo John (Eric Bana). Ele é lindo, charmoso, tem bom papo e, sem
esforço quase nenhum, a conquista. Até aí tudo certo, não é? Mais ou menos,
porque o homem acaba se revelando um psicopata perigosíssimo.
Em 2003, em seu livro Amor
Líquido, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman já escrevia
sobre os relacionamentos modernos. Estamos em 2019, e de lá pra cá, as coisas
nesse sentido parecem não ter mudado muito do que disse o pensador. De fato, Cunningham
parece ter adaptado para as telas uma versão mais palatável da obra do polonês,
já que praticamente todas as formas de relacionamento estão retratadas no
seriado.
A diferença entre as duas narrativas,
entretanto, reside no fato de que Bauman fala dos relacionamentos de forma analítica
e geral, demonstrando como estamos ficando cada vez mais sozinhos em um mundo
cada vez mais conectado. Já o seriado trata das suas consequências de uma forma
mais imediata e concreta, soando mais como um alerta: cuidado com quem você
deixa entrar em sua vida e cuide daquelas que já fazem parte dela.
E é incrível como um tema tão complexo pode ser retratado de
forma tão simples, como fez Dirty John, e vários elementos
contribuem para isso.
O cenário em que se passa história - a ensolarada Califórnia
-, funciona de duas maneiras diferentes. Por um lado, seu clima mais alegre e descontraído,
serve para encaixar bem o personagem “malvestido” de Bana (Tróia – 2004), que praticamente
só usa bermuda, e a de Temple (Malévola – 2014), uma típica
patricinha californiana e uma das personagens mais interessantes de todo o
enredo. Por outro lado, ameniza o clima tenso que inevitavelmente acompanha os
temas psicopatia e drogas – já pararam para pensar no significado de Dirty John?
A personalidade calma e serena de Debra diante das desventuras
que ela começa a passar também parece retirar bastante a tensão da situação em
que ela se encontra, e até desvia a atenção da seriedade da coisa toda,
chegando até a causar uma certa ansiedade. Ao mesmo tempo, pode ter sido o que
salvou a sua vida e manteve sua família unida.
A narrativa segmentada, com
flashbacks bem colocados, também contribui para dar uma aura de suspense, o que
é muito bem-vindo. Do contrário, a história poderia ficar bem maçante, já que
as cenas de ação são praticamente nulas.
Levando tudo isso em consideração, o
melhor do seriado é que ele não tenta impor nenhuma teoria. Simplesmente trata
de um tema delicado e joga a bola para o espectador tirar suas próprias conclusões,
afinal, os relacionamentos, em especial o amoroso (que é o foco de Dirty
John), não têm uma fórmula certa a ser seguida e, querendo ou não,
estamos na era digital. E aí? Vai arriscar?
Bom seriado, sem maiores expectativas, distrai bastante!
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